Introdução
Publicado originalmente em 1937, “A Coisa na Soleira da Porta” (“The Thing on the Doorstep”) é um conto que destaca o fascínio de H. P. Lovecraft pelo horror sobrenatural, psicológico e cósmico. Na trama, Lovecraft explora temas como possessão, identidade, hereditariedade maldita e a fragilidade das fronteiras entre o eu e o outro. A obra permite, consequentemente, um olhar mais profundo sobre a mente humana e as influências que forças externas podem exercer sobre ela.
Sinopse
Daniel Upton é o homem que testemunha o destino sombrio de seu amigo Edward Derby. Ele narra sua história, que envolve Edward, um homem tímido e introvertido, e seu casamento com Asenath Waite. Asenath é uma mulher peculiar e misteriosa de Innsmouth, uma cidade frequentemente mencionada em outras obras de Lovecraft. Essa localidade é associada ao ocultismo e à influência de criaturas sobrenaturais.
A relação entre Edward e Asenath logo se torna perturbadora. Ela parece exercer um domínio crescente sobre ele, o que resulta em mudanças de comportamento e até na perda de memória. Por conseguinte, Upton começa a desconfiar de que Asenath pode estar literalmente possuindo Edward. Ela utiliza métodos arcanos de troca de corpos, um segredo que remonta à sua linhagem ancestral. À medida que a narrativa avança, revela-se uma reviravolta aterrorizante. Fica claro até que ponto a manipulação de almas e corpos pode ir.
Análise e Interpretação
Em “A Coisa na Soleira da Porta”, Lovecraft toca no medo da perda de controle sobre o próprio corpo e mente, um tema recorrente em sua obra. Por isso, o autor trabalha com o conceito de possessão de uma maneira diferente do que era comum no gênero de horror, enfatizando a transferência de consciências e a manipulação dos limites entre personalidades.
Ademais, a possessão aqui não é um fenômeno espiritual ou religioso, mas algo científico e herdado, uma técnica de manipulação de consciências que remete ao sobrenatural de maneira racionalizada. Dessa forma, o conto explora a interseção entre ciência, tradição e mistério.
Asenath Waite é uma personagem crucial, pois ilustra o horror de Lovecraft de maneira excepcional. Assim, o autor a utiliza para representar o horror associado a linhagens misturadas com o desconhecido, um dos principais tópicos no universo cósmico e horrível que ele criou. Por exemplo, em outras histórias como “A Sombra sobre Innsmouth”, a questão da hereditariedade e das raças híbridas também surge como um tema essencial. Dessa maneira, a natureza misteriosa e talvez não inteiramente humana de Asenath revela a continuidade das influências e práticas arcanas de Innsmouth. Com isso, reforça-se a ideia de que alguns segredos obscuros nunca deixam de existir, sendo transmitidos de geração em geração.
Estilo e Temática Lovecraftiana
O estilo de Lovecraft é característico, com uma prosa pesada e um vocabulário arcaico. Por conseguinte, isso adiciona uma atmosfera de mistério e ansiedade ao texto. Em “A Coisa na Soleira da Porta”, essa abordagem contribui para a sensação de progressiva deterioração mental e emocional de Edward.
Além disso, a escolha de Daniel Upton como narrador – que tenta racionalizar o incompreensível – cria uma ponte entre o mundo normal e o abismo do horror sobrenatural. Esse recurso, recorrente em Lovecraft, enfatiza o medo do desconhecido, uma marca registrada do autor. Assim, os temas são tratados de forma inquietante, deixando os leitores com a sensação de que certos horrores podem estar além da nossa compreensão.
Por fim, “A Coisa na Soleira da Porta” é um conto que aprofunda a mitologia de Lovecraft, explorando temas complexos de identidade, possessão e a influência das heranças místicas. Nesse sentido, o horror está tanto na trama quanto na atmosfera que Lovecraft constrói, prendendo o leitor em um mundo onde as fronteiras entre o eu e o outro são assustadoramente frágeis.
Assim, a obra continua a ser um dos textos mais significativos de Lovecraft, demonstrando sua capacidade de combinar o horror psicológico e o sobrenatural em uma experiência literária densa e enigmática.